Funções fisiológicas básicas da flora bacteriana intestinal, fluxo de nutrientes

Uma condição obrigatória para a assimilação dos alimentos é a desmontagem de suas estruturas complexas em compostos simples, o que ocorre durante o processo de digestão. Os monômeros liberados (aminoácidos, monossacarídeos, ácidos graxos, etc.) são desprovidos de especificidade de espécie e são predominantemente os mesmos para todos os organismos. Em alguns casos, oligômeros (di-, tri- e ocasionalmente tetrâmeros) podem ser formados, os quais também podem ser assimilados. Em organismos superiores, o transporte de oligômeros foi demonstrado usando dipeptídeos como exemplo. Nesse caso, a assimilação dos alimentos é realizada em três etapas: digestão extracelular (cavidade) - digestão por membrana - absorção e, em vários organismos - em quatro, com a participação da digestão intracelular.

Fluxo de hormônios e outros compostos fisiologicamente ativos

Recentemente, foi demonstrado que as células endócrinas do trato gastrointestinal também sintetizam o hormônio estimulante da tireoide e o ACTH, ou seja, hormônios típicos do hipotálamo e da hipófise, e as células hipofisárias, a gastrina. Consequentemente, os sistemas hipotálamo-hipófise e gastrointestinal demonstraram estar relacionados em alguns efeitos hormonais. Há também evidências de que as células do trato gastrointestinal secretam alguns hormônios esteroides.

Por muito tempo, acreditou-se que as células endócrinas do trato gastrointestinal secretavam hormônios e outros fatores fisiologicamente ativos que participavam principalmente da autorregulação da digestão e da absorção de nutrientes. No entanto, sabe-se agora que substâncias fisiologicamente ativas controlam não apenas as funções do aparelho digestivo, mas também as funções endócrinas e metabólicas mais importantes de todo o corpo. Descobriu-se que os chamados hormônios clássicos do trato gastrointestinal (secretina, gastrina, colecistocinina) e vários hormônios hipotéticos não identificados, além da ação local, desempenham diversas funções na regulação de outros órgãos. Exemplos de hormônios de ação geral também são a somatostatina e a areterina.

A interrupção do fluxo endógeno de fatores fisiologicamente ativos do trato gastrointestinal para o ambiente interno do corpo causa consequências graves. Demonstramos que a remoção de até mesmo parte do sistema endócrino do aparelho digestivo, sob certas condições, leva à morte ou a doenças graves do animal.

O fluxo exógeno de substâncias fisiologicamente ativas consiste principalmente em substâncias específicas formadas durante a decomposição dos alimentos. Assim, durante a hidrólise das proteínas do leite e do trigo pela pepsina, são formadas substâncias chamadas exorfinas, ou seja, compostos naturais semelhantes à morfina (em ação). Sob certas condições, os peptídeos resultantes podem penetrar no sangue em determinadas quantidades e participar da modulação do fundo hormonal geral do corpo. Também se pode presumir que alguns peptídeos, incluindo aqueles formados durante a digestão normal de certos componentes alimentares, desempenham funções reguladoras. A casomorfina, um produto da hidrólise da proteína do leite (caseína), pertence a esses peptídeos.

O papel da nutrição na formação dos padrões fisiológicos e psicológicos humanos é ainda mais ampliado pela descoberta das funções de alguns aminoácidos como neurotransmissores e seus precursores.

Portanto, nutrição não se resume ao simples ato de comer, que pode ser reduzido ao enriquecimento do corpo com nutrientes. Ao mesmo tempo, coexiste um fluxo complexo de fatores hormonais extremamente importantes, e talvez até vitais, para regular a assimilação dos alimentos, o metabolismo e, como já foi descoberto, algumas funções do sistema nervoso.

Fluxos de metabólitos bacterianos

Com a participação da flora bacteriana intestinal, formam-se três fluxos, direcionados do trato gastrointestinal para o ambiente interno do corpo. Um deles é o fluxo de nutrientes modificados pela microflora (por exemplo, aminas que surgem durante a descarboxilação de aminoácidos), o segundo é o fluxo dos produtos da atividade vital das próprias bactérias e o terceiro é o fluxo de substâncias de lastro modificadas pela flora bacteriana. Com a participação da microflora, formam-se nutrientes secundários, incluindo monossacarídeos, ácidos graxos voláteis, vitaminas, aminoácidos essenciais, etc., substâncias que parecem indiferentes no nível atual de conhecimento, e compostos tóxicos. Foi a presença de compostos tóxicos que deu origem à ideia da conveniência de suprimir a microflora intestinal, expressa por I. I. Mechnikov. No entanto, é possível que as substâncias tóxicas, se sua quantidade não ultrapassar certos limites, sejam fisiológicas e sejam companheiras constantes e inevitáveis da exotrofia.

Algumas substâncias tóxicas, em particular as aminas tóxicas formadas no sistema digestivo sob a influência da flora bacteriana, há muito tempo atraem a atenção. Entre as aminas com alta atividade fisiológica, foram descritas a cadaverina, a histamina, a octopamina, a tiramina, a pirrolidina, a piperidina, a dimetilamina, etc. Uma certa ideia do conteúdo dessas aminas no corpo é dada pelo nível de sua excreção na urina. Algumas delas afetam significativamente o estado do corpo. Em várias formas de doenças, em particular a disbacteriose, o nível de aminas pode aumentar acentuadamente e ser uma das causas da interrupção de diversas funções corporais. A produção de aminas tóxicas pode ser suprimida por antibióticos.

Além da histamina endógena, existe a histamina exógena, que é formada principalmente no intestino como resultado da atividade bacteriana. Portanto, o uso de antibióticos pode levar a uma série de alterações no estado hormonal do corpo. É possível que muitas alterações patológicas no corpo sejam provocadas não pela hiperfunção das células estomacais que secretam histamina, mas sim pela sua produção excessiva no intestino pela flora bacteriana. Assim, com a hiperprodução de histamina pela flora bacteriana intestinal, surgem úlceras estomacais, tendência à disfunção hipotálamo-hipofisária, alergias, etc.

A importância fisiológica dos nutrientes secundários é evidenciada pelo aumento acentuado da necessidade de vitaminas em humanos e animais cuja flora bacteriana é suprimida por antibióticos.

A transformação das substâncias de lastro no intestino ocorre principalmente sob a influência da microflora anaeróbica.

Além dos fluxos listados, há um fluxo de substâncias provenientes de alimentos contaminados como resultado de diversas tecnologias industriais e agrícolas, ou de um ambiente contaminado. Esse fluxo também inclui xenobióticos.

Está agora firmemente estabelecido que a fibra alimentar desempenha um papel significativo na normalização da atividade do trato gastrointestinal (especialmente os intestinos delgado e grosso), aumenta a massa da camada muscular, afeta sua atividade motora, a taxa de absorção de nutrientes no intestino delgado, a pressão na cavidade do aparelho digestivo, o metabolismo eletrolítico no corpo, a massa e a composição eletrolítica das fezes, etc. É importante que a fibra alimentar tenha a capacidade de se ligar à água e aos ácidos biliares, bem como adsorver compostos tóxicos. A capacidade de se ligar à água tem um efeito significativo na taxa de trânsito do conteúdo ao longo do trato gastrointestinal. Há informações na literatura de que o farelo de fibra alimentar se liga a 5 vezes mais água do que seu próprio peso, e a fibra de vegetais como cenouras e nabos - 30 vezes mais. Finalmente, a fibra alimentar afeta o habitat das bactérias no intestino e é uma das fontes de nutrição para elas. Em particular, os microrganismos usam celulose, hemicelulose e pectina, metabolizando-as parcialmente em ácidos acético, propiônico e butírico.

A fibra alimentar é essencial para o funcionamento normal não apenas do sistema digestivo, mas de todo o corpo. Diversos distúrbios, incluindo aterosclerose, hipertensão, doença cardíaca isquêmica, patologia gastrointestinal, diabetes, etc., em muitos casos não são apenas resultado do consumo excessivo de proteínas e carboidratos, mas também consequência do uso insuficiente de substâncias de lastro. Há evidências de que a falta de fibra alimentar pode provocar câncer de cólon. Sem fibra alimentar, o metabolismo não apenas dos ácidos biliares, mas também do colesterol e dos hormônios esteroides é interrompido. (É surpreendente que Avicena e seus antecessores já estivessem bem cientes dos malefícios dos alimentos refinados.)

Muitas formas de patologias do trato gastrointestinal e metabólicas podem ser prevenidas e tratadas com a adição de fibras alimentares. Assim, essas fibras podem aumentar a tolerância à glicose e modificar sua absorção, o que pode ser usado para prevenir e tratar diabetes, hiperglicemia e obesidade. O aumento da quantidade de fibras alimentares na dieta reduz os níveis de colesterol no sangue, o que se deve à participação das fibras na circulação dos ácidos biliares. O efeito antitóxico das fibras alimentares vegetais também foi demonstrado. Ao mesmo tempo, o uso de diversas fibras alimentares reduz a absorção de alguns microelementos, especialmente o zinco.

O uso prolongado de fibras alimentares reduz a gravidade da síndrome do intestino irritável e da diverticulose do cólon. As fibras alimentares auxiliam no tratamento eficaz de constipação, hemorroidas, doença de Crohn e outras doenças gastrointestinais, além de servirem como medida preventiva contra recidivas de úlcera gástrica e úlcera duodenal. Em particular, na pancreatite crônica, uma dieta rica em fibras, ou seja, fibras alimentares, na maioria dos casos, proporciona um efeito terapêutico positivo.

Portanto, é necessário que a composição das rações alimentares inclua não apenas proteínas, gorduras, carboidratos, microelementos, vitaminas, etc., mas também fibras alimentares, que são um componente valioso dos alimentos.

Assim, com base na teoria clássica, tentaram-se criar alimentos melhorados e enriquecidos, eliminando as fibras alimentares, o que levou ao desenvolvimento de muitas doenças, as chamadas doenças da civilização. Atualmente, a direção oposta está sendo intensamente desenvolvida – busca-se por rações alimentares adequadas que correspondam às necessidades do corpo que surgiram ao longo da evolução. Nos humanos, essa alimentação evolutivamente adequada inclui uma proporção significativa de substâncias que há muito tempo são chamadas, sem sucesso, de lastro.

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