O papel do beijo na interação sexual

Os povos primitivos lambiam uns aos outros para suprir a falta de sal em seus corpos. Mas nossos predecessores imediatos na escala evolutiva – os macacos – não se lambem com esse propósito, mas coletam cristais de sal com as mãos (da mesma forma, aliás, que procuram pulgas).

Por outro lado, é nos humanos que a importância da zona oral aumenta devido às peculiaridades da nutrição e ao surgimento da fala. Suas membranas mucosas são mais sensíveis que a superfície da pele, e as terminações nervosas nelas são muito menos protegidas. Aqui, a zona oral é semelhante à anal e à vaginal – o mesmo simbolismo sexual surge em relação às três zonas: são "buracos" fechados, cuja penetração voluntária é um ato de intimidade, "entrega de si", e a penetração forçada leva à estigmatização moral e social. Não é sem razão que, na história da cultura, a vagina é frequentemente comparada à boca, que deve "devorar" uma pessoa; o termo medieval "vagina dentata" é conhecido – um útero dentado.

A mesma importância da zona oral explica o costume de tocar uma pessoa ou um objeto sagrado com os lábios em sinal de respeito e, inversamente, o beijo forçado de algo que não é aceito em uma determinada sociedade - o que é praticamente equivalente ao estupro (lembre-se da famosa exigência de Till Eulenspiegel de beijá-lo "nos lábios com os quais ele não fala flamengo" - este é o grau extremo de insulto).

Vamos tentar descobrir se o papel do beijo na interação sexual também é culturalmente simbólico ou se é determinado por razões fisiológicas. Esta última questão é corroborada por toda uma biblioteca de manuais de todos os tipos, criados em diferentes épocas e entre diferentes povos.

O décimo capítulo do Kama Sutra é chamado "Sobre as diferenças nos beijos" e prescreve beijar "a testa, as mechas de cabelo, as bochechas, o peito, os mamilos, os lábios, o interior da boca... a junção das coxas, as axilas, o abdômen inferior" - tudo isso é feito "quando a mulher ainda não está confiante e não está dominada pelo desejo... para despertar o desejo".

Os dois séculos seguintes privaram completamente o beijo de sua aura de santidade, tornando-o exclusivamente uma forma de estimular a excitação sexual. "Um beijo excita a luxúria, o desejo de fundir dois em um." A arte do beijo na era Rococó não era inferior em sofisticação ao "Kama Sutra". Vasta literatura trata do "beijo florentino" ("pegam uma pessoa pelas duas orelhas e beijam"); "donzela" (que consiste em beijar os seios e as aréolas dos mamilos); molhado (significando que o beijador é "dominado por desejos"); e, finalmente, o famoso "francês", em que as línguas se tocam — "as mulheres inclinadas ao amor preferem esse tipo de beijo".

Os chineses "endireitaram" ainda mais a conexão entre beijo e relação sexual. Consideravam beijos que não levassem a uma atividade sexual posterior, até o orgasmo, um insulto aos princípios do Yin e Yang. Os primeiros europeus que se estabeleceram em Xangai deixaram os moradores perplexos ao se cumprimentarem com um beijo. Se um marido beijasse sua esposa, então, segundo os chineses, ele deveria extrair um "talo de jaspe" e colocá-lo em um "pavilhão de jade". Os chineses consideravam beijos no rosto, que, por exemplo, dois franceses davam um ao outro ao se conhecerem, preparações sexuais completamente inúteis.

A natureza "biológica" do beijo pode ser comprovada pelos costumes da montanha Arapesh (Nova Guiné), descritos pela notável etnógrafa Margaret Mead. Os Arapesh não beijam, mas desde a infância se acostumam a brincar com os lábios. A criança puxa o lábio superior com o polegar, o indicador e o médio e o bate palmas; infla as bochechas e as aperta com os dedos; empurra o lábio inferior para fora com a língua; lambe as mãos e os joelhos. Crianças mais velhas brincam com os lábios das mais novas; existem dezenas de maneiras bem estabelecidas de brincar com a boca. Essas brincadeiras servem como expressão de amor, afeição e, segundo Mead, estabelecem as bases para uma vida sexual satisfatória no futuro. Os lábios das crianças se acostumam tanto à estimulação constante que, quando os meninos passam pelo rito de iniciação (após o qual brincar com a boca é considerado inadequado), eles substituem o hábito da infância por fumar ou mascar bétele.

Por que beijar é mais doce que mirra e vinho, e não, por exemplo, estalar os dedos ou coçar a orelha? Recentemente, muitos resultados da medição de parâmetros físicos durante um beijo foram publicados: o pulso acelera, as glândulas endócrinas trabalham mais intensamente, as pupilas dilatam, etc. De fato, segundo pesquisadores franceses, existem muitas terminações nervosas na região dos lábios (especialmente na parte superior), cujos impulsos são enviados diretamente para a parte do cérebro "responsável" pelas reações sexuais. Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que o aumento do pulso, o aumento da produção hormonal e outras manifestações fisiológicas são reações comuns a, por exemplo, um encontro. No entanto, ninguém pensaria em considerar o apartamento de um amante como "inerentemente erótico". O papel excitante de um beijo é amplamente determinado pela tradição, educação e aprendizado historicamente estabelecidos. Desde a infância, o beijo é semantizado como um substituto para a atividade sexual (um exemplo disso é o mandamento "não dê beijos sem amor"). A afirmação de muitos de que um beijo em certas áreas (por exemplo, mamilos) "responde aos genitais" é mais uma evidência do desenvolvimento e da consolidação de um mecanismo de sinalização específico do que de uma conexão "biológica" real. Se tivéssemos sido acostumados desde a infância a pensar que a área mais íntima do nosso corpo – a axila e o ato de coçá-la com o dedo indicador – é um ato sexual – esse ato repercutiria nos genitais exatamente da mesma forma que um beijo.

Por fim, sobre segurança. A era da AIDS trouxe ajustes à técnica do beijo. Uma pessoa infectada pelo HIV também possui o vírus na saliva, mas em pequenas quantidades. Para se infectar, é preciso engolir cinco litros de saliva infectada e, ao beijar, apenas cerca de 10 mg de líquido são transferidos de boca para boca. No entanto, se houver uma ferida sangrando na boca de cada um dos beijadores, a transmissão do vírus torna-se bastante provável. Recentemente, juntamente com preservativos e calças de látex que cobrem toda a área peritoneal e não permitem o contato direto, foram lançadas películas especiais para beijo. Elas são feitas na forma de uma máscara elástica que cobre a boca. Essas máscaras encontraram um uso inesperado na comunidade das chamadas "pessoas de couro" – adeptas dos jogos sadomasoquistas, agora em voga. O papel da tradicional mordaça sadomasoquista agora é desempenhado por uma bandagem protetora (chamada limen), que simultaneamente impede a "vítima" de gritar, permite que ela seja beijada e a protege da infecção. As pontas do limen são passadas pelos brincos, o que permite que o lóbulo da orelha seja estimulado simultaneamente ao beijo...

E lembremos que o conselho prático continua relevante: todos os participantes de um "beijo sólido" devem beber ou comer algo com cheiro forte (por exemplo, alho), se tal for planejado. Caso contrário, alguém cantará uma canção diferente: "Venha até mim, eu gosto de você, me beije, você não vai se envenenar", e alguém pensará em resposta: "Quem sabe, quem sabe..."